4.7.11

Aprendi com meu avô


Vovô conversa comigo e a cunhada dele.


Vovô diz: fulano de matou...
Ele tece outros comentários. Eu digo, meu brincando, meio sério:
- muito doido, né, vô?! Essas pessoas que se matam...
Ele tranquilamente fala como quem comenta, mas na verdade está ensinando.
- É. Só pode ser loucura mesmo. Não entendo. Viver é tão bom. Tem tanta gente querendo viver. Olha, não existe aperreio que justifique isso, por que você se aperreia um pouquinho assim, mas amanhã é outro dia. Logo vem uma coisa boa.
Olhando pra ele, e, sem o mínimo de criatividade para imaginar o que poderia ser um aperreio na vida dele, perguntei:
- O que é que poderia lhe aperrear hoje, vô?
Ele sorri e diz:
- Não sei... Bom, ficar “no prego”, com o carro atolado no meio do sertão, longe de qualquer lugar habitado, sem água, nem comida e um aperreio danado, não? Mas, aí sempre aparece alguém pra ajudar e pronto, problema resolvido.
Eu sorri e disse: “vô, mas, este não é um problema tão grave. E o senhor também não passa mais por isso.”
Mal imaginei a quantidade de simbolismo presente nessa história, que eu não havia entendido direito. Mas, ele me esclareceu. Antes de continuar, preciso acrescentar detalhes importantes para a compreensão dessa “lição de vida”. rs
Meu avô, Gerson Ribeiro, tem 100 anos de idade. Isso mesmo! Um século! Todos os fins de semana ele e um motorista vão há um (hoje) povoado chamado Pedra Miúda (Ah! Esses nomes típicos de localidades do interior nordestino... rs). As terras onde fica o povoado pertencem ao meu avô. A estrada é muito ruim, pra não dizer que, praticamente, não existe. No caminho a paisagem é típica do agreste piauiense. Uma casa aqui, outra acolá, há quilômetros de distância. A profissão do meu avô era a de motorista. Um dos primeiros desta região do Piauí. Ele dirigiu por mais de 50 anos, só parou porque a visão já não era tão boa. A idade sempre cobra algum preço, não é mesmo!? Bom, acho que já deu pra entender, não é?
Vovô disse: “ora, outro dia (26 de junho de 2011, apenas 21 dias depois de completar os cem anos de idade) eu estava voltando do interior e o carro atolou. O motorista tentou tirar o carro. Mas, quanto mais ele acelerava mais o carro afundava. Tentou, tentou e não conseguiu. Então, eu o mandei ir procurar ajuda, pra tirar o carro dali. Ele foi. Subiu uma ladeira enorme, só depois dela é que havia algumas casas. Eu fiquei no carro. E tirei o carro de lá. Subi a ladeira (dirigindo!) e quando cheguei na casa, os homens já estava saindo para ajudar a tirar o carro. Eles até estranharam o barulho do carro quando eu me aproximava.”
Estupefata eu disse: “sozinho? Como o senhor conseguiu?”
- Ora, dei uma “rezinha”, pra pegar o embalo e passei a primeira, e o carro saiu. Subi a ladeira (que é bastante íngreme) e quando cheguei lá em cima, todo mundo ficou foi admirado.
Ele conta essa história pra todo mundo, aos risos, orgulhoso do feito. E claramente conseguiu o objetivo. Consciente, ou não. Acredito que o que motivou Seu Gerson a pegar o volante e tirar o carro do atoleiro, não foi desespero (de ficar o meio do nada sozinho), ou impaciência de esperar a ajuda, nem coisa do tipo. Mas, sim, a vontade de viver, de se sentir vivo, de mostrar que pode ajudar em situações difíceis, se sentir útil. Tudo isso que deve motivar a todos nós a continuar vivendo apesar dos percalços, das dificuldades e problemas que todos temos.